sábado, 9 de março de 2019

Ágora


            Olhos famintos, ‘men’, comem
            Materialmente revoltoso revira
Mente, ‘Fool’ ou ‘cult’, faz tanto,
Imerso em verso, diz-me
            Possesso.

            Sesta a alma, acalma
Desarma campos
Mal emoliente
Bem avesso
‘Nil’

Lis mostra-me tua cor anil
Tua mão vil vem,
Vai, em vão, Vilão
           
            A hora amola
            Em prego ação esvai
agora.
           
            TSP- 2018

sábado, 4 de junho de 2016

Doce-amargo: a fugaz leveza dos seres

Uma revoltosa mecha cacheada escorre tampando minha vista de ti, delicadamente 
reposiciona-a atrás da orelha. Sua mão desvenda meu rosto. Seu polegar desliza pela minha face negra, descendo contemplativamente da testa febril à ponta do nariz gelado. O indicador percorre a sobrancelha até o toque suave do dedo Médio no piscar dos cílios. O Anelar sente o ferver da maçã ruborizando, enquanto que o Mínimo desce encontrando o queixo, chegando na sua ponta, até roçar a linha que o separa dos lábios. A este espera o hálito doce dos beijos.
Paralelamente, a outra mão ocupa-se em desvendar meu corpo. O toque de seus dedos finos em meu braço, ora apertando outra afrouxando, acompanha o compasso rítmico dos corações. Os seios velados pressionam-se ferozmente enquanto emana, dos mamilos, a dor da ausência do contato com a pele. Tais movimentos rituais falam por si o que jamais tolas palavras (esdrúxula criação humana) saberiam explicar. Delicados movimentos de reconhecimento do outro, que em segundos, somente nos segundos, traduzem as sensações do ser em minha frente.
Minha perna enrosca na tua, os toques de nossos dedos dos pés desvelam a maciez em que nos encontramos. Enquanto meu calcanhar toca levemente seu glúteo enrijecido de prazer. Sem chão, lenço ou documento me encontro suspensa como um radioso jardim, sustentada por ti. Como um bêbado equilibrista você se rende da tentativa de controle dos nossos corpos. Almas vagam sem 
rumo, sem rédeas ou alteregos, mutuamente desfazem-se de si.
A tentativa de prolongar o intenso prazer é então sua potencialização e sua inevitável extinção. As pelves chocam-se, agitam-se, enlouquecem lutando contra o flutuar do tempo. Como também desejam ansiosamente, pulsar de morte (ao estilo freudiano), o fim. Encontram-se, levemente ,sós, donos novamente de si.
TSP- 03/06/2016

O sonho da realidade

É na madrugada que meus sonhos se confundem com a realidade em uma festa com o vivido e o pensado. A teoria se cruza com a literatura no jogo de forças batem-se e amam-se até o nada mostrar. Ouço conversas de teóricos confundindo-se aos sussurros dos boêmios, receptáculo da ilusão. 
Entre esta realidade e outras quaisquer, existem os banheiros dos bares dos grandes centros de entretenimento noturno, sabido por todos, local quase ideal para o consumo de cocaína. Encontramos ao lado, nas mesas distribuídas pelas calçadas e preenchidas por seres inanimados, sob a luz da lua, hipsters passeiam com cestinhas penduradas em seus braços, portando variados tipos de doces de maconha, uma forma requintada de consumi-la, aos moldes dos “cofeeshops” de Amsterdam. Imagem que se forma na tela de algum smartphone, em uma representação mítica dos contos de fadas transposta no espelho do real.
Como em todo conto de fadas existem os vilões aqui encontrados nas peles de grupos racistas, fascistas e homofóbicos, desfilam às vezes só e outras em bandos, fantasiados de gravatas ou coturnos, vagam pela noite a procura de suas presas. Bandidos sim, mas principalmente homens de bens. Em contraponto, para algumas mulheres, negros e LGBTs permitem-se certo espaço neste meio, que comemoram saltitando como cordeiros, felizes por conseguirem a permissão de participar dessa alegoria, encanto encenado sob medida. Iniciam-se os jogos, caça as bruxas, influência ocidental mantenedora da verdadeira cultura. Quando cometidos excessos, vêem-se caçadores apelando para a magia dos cartões, livram-se de eventuais encontros com a legalidade, que como vimos não é em nada um empecilho.
Os líderes dessa doce comunidade ocupam-se desfrutando os mais requintados benefícios, aqui, impossíveis de figurar. Observam atentos, sempre à distância, a floresta negra, procuram lá seres que sirvam como máquinas para manter as estruturas. Em meio ao processo selecionam algumas pepitas, mas cuja utilidade aqui se passa por um processo de polimento. Alguns hoje se destacam através de nomes no funk, rap, hip hop, heggae, grafite etc, entre outras ‘excentricidades’ encontradas. Tutelados dão-lhes migalhas para poderem então desfrutar da sensação de pertencimento. Teatro potencializado pelas divulgações em massa das exceções. A realidade do não real.
Tal medida não é exclusiva do tempo presente, ocorreu, por exemplo, nos séculos XVIII e XIX, nas rodas de samba, capoeira, futebol, etc onde lhes foram utilizados mecanismos semelhantes de controle. Hoje são inseridos na canônica ideia de cultura, porém excluído o personagem social criador. Para estes restam-lhes a marginalização, onde os aspectos serão apontados pela ótica da identidade dominante.
Com estes mecanismos ocorre a naturalização da violência do outro relegado e demonizado, vazante que precisa ser estancada. Incorpora-se um discurso higienista e legalista, que ocorre nas repressões dos bailes funk à revista policial seletiva com base em fenótipos. Fantasias míticas ancestrais são evocadas nos discursos tanto para legitimar um quanto para segregar o outro. Insana ação com a única finalidade de manterem-se na posição de segregador e colher seus benefícios ante os segregados.
Presos em nossas irrealidades não nos vemos como atuantes na manutenção deste teatro e seus mecanismos seguradores.
TSP- 25/05/2016

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Fábrica de mim

Não sei qual o limite da sanidade, ou pior,
Estou começando acreditar em sua existência,
Definindo-a toscamente no recorte de determinadas atitudes.
Faço a análise com base nos anos vividos, 
Sucessivas imposições de verdades sobre a (i)moralidade do meu prazer.
Destes sentimentos se formam ângulos negativos do meu ser.

Antropofagicamente estudo típicas representações do relacionar,
Ressignifico-me nas frágeis tentativas de catalogar minhas realidades,
Enveneno-me neste estado antagônico de alma, e então, podando o meu ser, 
Reduzo-me a nada
(Algo que não existe em si jamais poderá fundir a sensível existência).
Percebo o vácuo destas idéias, já que é tanto o que sinto,
Sou eu: Essencialmente sentimentos.

A intensidade sufocante da ausência que me imponho,
Tão reais à vontade de não ser-me, aos poucos escorre em gotas de suor.
Mastigo aqueles moldes atípicos a mim, e em agudas cólicas, excreto-os.
Indiferentemente do que intento, sou no final criação e criatura, sinto por mim, para mim.

Recolho os frágeis dejetos para análise,
Vejo formar o outro, alheio a mim.
Figura indefinível, erótica existência do não saber ser,
Quero-te, possessivamente, de volta em mim.
A medida que reduzo-te a uma forma vazia.

Procuro, fantasiosamente, definir o que sinto que sentes, 
Projeto em ti, o que quero que sejas para mim.

Concluo inconclusivamente que posso estar a ver reflexos de minhas próprias vontades em ti.
Fabrico a destruição de nós.

TSP- 4 de abril de 2016

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Nós, estas.

Ela surgiu.
Exibindo duas grandes janelas que se abriam, a descobria.
Os lábios eram sombras resistindo a luz.
O queixo fino dava o toque final ao rosto, um pulsante coração.
O corpo, da textura de um suave tecido originado a partir da saliva das mais perfeitas lagartas,
Aquecia-me, como que dentro de um casulo.
Meus pelos arrepiados se entrelaçavam aos seus.
Nada tão real quanto o roçar de sua língua em meus seios.
A lança do cupido e seu alvo: aureola iluminada.
Predador e presa entreolhavam-se.
Em todo o campo de visão surgiam as mais belas cores,
Reflexos da energia de tão díspares seres.
Vozes trêmulas, suplicando por fôlego, compunham uma melodia angelical.
Extenuante esforço desordenavam nossos sentidos,
Rendemos ao misterioso encanto.  
Negros lábios sugavam toda e qualquer energia de nossas frívolas existências.  
Imobilizada de prazer prestes a deslumbrar a primeira explosão, 
Origem de todos os seres.
Submergimos no líquido divino entregue pelas mãos de Afrodite.
Acalentamo-nos sob a brisa do doce perfume que pairava.
Renascemos.

07/01/2016-TSP



quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Condensação

Mão que se aproxima levemente à face.
Esta, inclina-se ternamente em direção ao toque.
As pontas dos dedos percorrem das pálpebras semicerradas
Aos lábios entreabertos.
Formam um caminho de chamas.
Inebriam do vapor ardente.

Olhos nos olhos, então,
Cerram-se lentamente.
Corações, pulsam vertiginosamente.
Perdem-se de seus corpos.
Ausentes de si.

O êxtase
Liquefaz suas tão materiais convicções.
À mercê de suas almas
Gozam os esquecimentos da vida.

Mesmo assim carregam
Algo de triste,
Algo de doce,
Algo de só.

TSP- 16/12/2015

domingo, 6 de dezembro de 2015

Alegoria do pecado

Em uma noite qualquer
Monto em seus ombros
Buscando alcançar os frutos de uma vivaz árvore,
Envolta pelas águas de um límpido açude
Invadem-me a visão lindas vitórias régia.
Saborosa maçã,
Vida.
Nossos olhos coruja fitam-se
Ligeira semelhança aos olhos da infância,
Envolvo-me.
Suavemente me transporta a confusas lembranças,
Avassalador complexo de édipo.  
Interpreto-te figura acolhedora,
Típico rio límpido
Signo de honestidade
Sensualidade.
Depara-se com a barragem
Estanca o desejo.
Impossível florescer,
Evade ao amanhecer.
Sono mal sonhado
Arrastado pelo despertar.
O açude está seco,
A árvore morta
É dia.

TSP- 06/12/2015